sábado, 11 de julho de 2009

A crescente violência contra o idoso como afronta aos princípios do Estatuto brasileiro - Walkyria Carvalho

Walkyria Carvalho envie um e-mail para este autor
Servidora Pública de PE, formada pela AESO - PE, Especialista Criminal pela UFPE, professora de Direito Processual Penal e de Segurança Pública da Pós-Graduação da Joaquim Nabuco.


Texto enviado ao JurisWay em 3/5/2009.

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Trata-se de uma verdade comprovada: a sociedade brasileira vem passando por um acelerado processo de envelhecimento. Por vários motivos, talvez muitos deles apoiados em programas governamentais de apoio ao aumento de qualidade de vida dos idosos, em controversa falta de sustentação ao falho e omisso Sistema Único de Saúde, a população vem alcançando uma faixa etária mais estável, em situação mais amenizada diante dos reflexos de violência e calamidade social. Para atender à crescente expectativa de vida, foi necessário que houvesse a implementação de Delegacias Especializadas para o Idoso, membro da sociedade dotado de necessidade de particular atenção dos órgãos governamentais. Os policiais que funcionam nestas especializadas geralmente têm orientação específica para atender ao público idoso, sempre em conformidade com suas necessidades, suas capacidades, suas (apropriadas) demandas. O envelhecimento de uma nação é fator diretamente relacionado com a afirmação dos direitos humanos fundamentais. Não obstante ter-se, ainda, no país, uma população que ainda ignora os próprios direitos para os quais se está legitimado, é bem verdade alegar que a divulgação dos direitos dos idosos alcançou uma proporção continental, parte em decorrência do trabalho das delegacias especializadas, parte em detrimento do grande esforço do governo em fomentar ações protetivas, capazes de ampliar as estruturas básicas de atendimento que proporcionem o direito à saúde, ao lazer, à cultura, enfim, às referências basilares de direitos fundamentais de qualquer ser humano em um país democrático.

Ocorre que, muito embora haja uma proliferação inédita de medidas de proteção ao idoso, em perfeito contrasenso, nunca se aferiu, em números, tanta violência contra o idoso, como nos últimos anos. De acordo com pesquisa divulgada na Internet[i], doze por cento dos 18 milhões de idosos do Brasil sofrem algum tipo de violência. Quando os jornais divulgam a imagem de uma senhora indefesa sendo torturada por algum “cuidador”, a população se revolta, sente o repúdio de um ato vil e covarde, chegando às lágrimas o telespectador mais cético. Imagine-se este quadro sendo reproduzido 10, 12 milhões de vezes (das quais as autoridades tenham conhecimento, excetuando-se a cifra negra da criminalidade, que se oculta na vergonha e no descaso de grande parte da população!).

Quando não renegam seus próprios pais e os condenam a viver em condições insalubres em instituições descomprometidas, que empregam verdadeiros criminosos como cuidadores de idosos, estas criaturas doravante denominadas de “filhos” violam seus direitos, como não se procede com o pior bandido vivo na humanidade: utilizam de ameaças constantes contra os pais, praticam lesão corporal, tentativas ou consecuções de homicídio qualificado, usurpação de dinheiro de aposentadoria, confisco de cartões de crédito, utilização indevida do crédito (nome) dos idosos para proveito próprio, enfim, apenas confirmam que a maldade humana realmente não tem um limite definido.

Avistando-se, desta forma, a maioria das reclamações dos idosos e de suas famílias, configuram-se como campeãs de ocorrências os maus tratos e a subtração de cartões para uso de crédito do idoso e/ou realização de empréstimos em sua responsabilidade. Infelizmente o Código Penal não tratou de tipificar (e permitir a punição) do furto cometido por filhos em detrimento do patrimônio dos pais, abrindo-se, portanto, a lacuna permissiva de um dos atos mais amorais que a humanidade já percebeu, qual seja, a apropriação do patrimônio parental. Seja por apropriação indébita, seja por furto, a depender do caso a se especificar, é lamentável que atualmente os filhos usufruam dos pais enquanto produtivos e os descartem após senilidade, praticando estas subtrações sem anuência dos pais (ou com permissão viciada pela ameaça e pelo constrangimento). Muitos são os idosos que chegam a ser literalmente abandonados, jogados na rua, esquecidos em cemitérios clandestinos de corpos vivos, como poderiam ser classificados muitos dos injustamente denominados “abrigos” de idosos. Neste abandono, estão lançados ao campo da incerteza a vida humana, a história daquele ente, sua trajetória, seu esforço de vida, suas conquistas. Todo o seu trabalho para construção de uma entidade familiar é plenamente ignorado, ao se praticar voluntariamente o abandono daquele pai, daquela mãe. Caso fossem inspecionados com verdadeira dedicação do Ministério Público e dos órgãos de proteção aos direitos dos idosos, poder-se-ia constatar a situação de penúria e descaso aos quais são sentenciados tantos idosos, que anualmente morrem vítimas deste abandono social. A família ingrata que abandonasse os seus idosos deveria se submeter a multas, previstas devidamente pela legislação, exceto a adicional responsabilização criminal por abandono material, moral, psicológico, afetivo. Desta forma, ao não visitar seus parentes nestas instituições, ao não cobrar dos abrigos cuidado específico, ao não se manifestar, em caráter de pura omissão, quando da violência sofrida por um idoso, sofreriam o peso da lei e arcariam com suas consequências.

Há uma equivocada cultura no país de se atenuar a responsabilidade dos descendentes quando estes providenciam abrigo dos idosos em asilos, como se o pagamento de suas mensalidades os redimisse da maior responsabilidade concernente aos cuidados com os idosos. Pagar mensalmente para manter o idoso em um quarto é insuficiente a ponto de ser criminoso, em diversas situações que atualmente são freqüentes.

As causas apontadas como propícias para o aumento da violência contra o idoso podem ser analisadas fora de uma conjuntura coletiva. Ocorre que, a depender do problema familiar que acometa esses idosos, eles podem sofrer abusos de várias formas e modalidades, a começar pela subtração dos meios financeiros de sua própria subsistência. A violência financeira contra os idosos é recordista, juntamente com os maus tratos, onde se destacam o abandono, a negligência. Esta última modalidade se manifesta de forma estrutural, muito em decorrência da pobreza, em um país como o Brasil, de dimensões continentais, onde a criminalidade oculta, conhecida por cifra negra, predomina em ambientes de extrema miséria. Se por um lado um juiz de uma Vara de Interditos não poderia, a depender do caso, deixar de conceder aos filhos o direito de manter financeiramente os pais mediante apossamento de suas vias de crédito, tendo-se em vista que, para que a manutenção daquela vida por um fio depende a subsistência que somente poder-se-ia configurar através da interdição daquele idoso prostrado em uma cama, por outro lado não há garantias de que aquele patrimônio financeiro será aplicado em prol do idoso, falhando, neste caso, a vigilância do judiciário, frente ao insuficiente número em seu quadro de servidores, em específico no Ministério Público, de onde nascem as proteções específicas aos direitos difusos e coletivos de todos os cidadãos.

Dentre as várias formas de abuso cometido contra o idoso, encontram-se o abuso físico (provocando lesões, morte), o abuso psicológico (terrorismo psicológico, com intuito de humilhar, isolar, ameaçar, atemorizar o idoso), o abuso sexual (de onde partem os distúrbios sexuais de posse sexual do idoso), abandono (completa privação de atenção ao idoso, que é lançado à própria sorte), negligência (omissão específica de cuidados), abuso financeiro (exploração de suas reservas financeiras, seu crédito, seus cartões, suas contas bancárias, seu patrimônio, sua aposentadoria etc).

O judiciário vem mudando a concepção equivocada da população de que os maus tratos aos idosos em nada repercutem, crença esta baseada em uma realidade social onde as delegacias de polícia eram plenamente sucateadas em toda a extensão nacional, os juizados não existiam, a justiça não provia de atendimento seletivo, não se estabelecia a meta de proteção que atualmente se visualiza.

Hoje a realidade comprova outra situação, em que o disque-denúncia efetivamente funciona, atendimento através do qual uma pessoa pode relatar situação de constrangimento, maus tratos e todo tipo de violência acometida contra o idoso e, ainda assim, preservar sua identidade. A justiça pode dispor de uma Vara de atendimento próprio para as causas relativas aos idosos, bem como se tenha, através do Poder Legislativo, priorizado o atendimento do idoso em diversas esferas sociais, até mesmo com relação aos processos em tramitação nas varas em todo o país, sem mencionar a imensa contribuição social quando da criação do Estatuto do Idoso.

No Estado de Pernambuco este atendimento é realizado em sincretismo absoluto entre a Delegacia do Idoso, a Justiça, o Ministério Público e os cidadãos. O resultado tem mostrado que o aprimoramento das diversas técnicas de atendimento prioritário ao idoso tem surtido um bom efeito na sociedade. É fundamental que o Estado providencie os meios para que, juntos, Policiais, Juízes, Promotores e a comunidade consigam realizar o efetivo objetivo constante na lei, qual seja, a melhoria das condições de vida do idosos e a garantia do restabelecimento de sua dignidade, tantas vezes deteriorada nas estradas deste imenso país.

1 Comentários:

Às 18 de março de 2011 às 05:40 , Blogger Kiki disse...

Muito interessante esse artigo e a autora está de parabéns!

 

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